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terça-feira, 4 de novembro de 2014

MEMORIAL DO PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

  INTRODUÇÃO

Este memorial pretende contribuir para o debate em torno da Assistência Social no âmbito dos avanços e retrocessos, na política nacional de assistência social e a importância dessas reflexões para o Serviço Social, que objetiva desvelar a presença e o enfrentamento da questão social por parte do Estado, visando reconhecer as particularidades das múltiplas expressões da mesma na história da sociedade brasileira.
Desde o período em que o Serviço Social ainda fundava sua base de legitimidade na esfera religiosa, passando pela sua profissionalização e os momentos históricos que a constituíram, a dimensão técnica-instrumental sempre teve um lugar de destaque, seja do ponto de vista do afirmar deliberadamente a necessidade de consolidação de um instrumental técnico-operativo “específico” do Serviço Social, seja no sentido de afirmar o Serviço Social como um conjunto de técnicas e instrumentais – em outras palavras, uma tecnologia social.
Sabe-se também que o Serviço Social, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, esteve ligado ao âmbito da Revolução Industrial, bem como com o surgimento e ascensão do capitalismo industrial, nos séculos XVIII e XIX. Diante das facetas sociais impostas por este sistema aos trabalhadores, surgem as práticas assistenciais que serviram como mecanismos de consolidação da hegemonia capitalista.
Deve-se portanto, pensar o Serviço Social na contemporaneidade, diante das novas exigências profissionais, decorrentes das profundas alterações no mundo do trabalho, das repercussões  da reforma do Estado e, consequentemente, das novas configurações assumidas pela sociedade civil, implica analisar os avanços e os novos desafios da profissão, que culminaram na reformulação do processo de formação profissional. Tal exercício teórico exige, necessariamente, uma revisão crítica da trajetória do debate acumulado da profissão, analisando as conquistas e os dilemas do Serviço Social na consolidação de seu projeto profissional.

Assim, numa perspectiva histórica, dialética e crítica, este trabalho se propõe a refletir sobre a origem da profissão, os avanços, as demandas atuais e contribuições para o desenvolvimento da profissão.

  DESENVOLVIMENTO

Os primeiros relatos sobre o Serviço social foi ligado à Revolução Industrial que iniciou na Inglaterra, no século XVIII, mudando as condições de trabalho, trazendo à tona a questão social, expressa no empobrecimento do trabalhador. Neste contexto da Revolução Industrial, o sistema capitalista surgiu como um grande divisor da história das sociedades e das relações entre os homens trazendo consigo uma revolução econômica e social sem precedentes.
No período do capitalismo o trabalhador passou a vender sua força de trabalho, o seu espaço de trabalho eram as fábricas e uma jornada exploratória e abusiva era determinada pelos patrões, além da submissão destes trabalhadores a tarefas mecanicistas e repetitivas, provocando danos físicos e emocionais, insatisfações e estresses. “No início do século XX o Serviço Social amplia-se a países da Europa e Estados Unidos, tendo a face do poder, da desigualdade e da exploração capitalista, e não a face do trabalhador”. (MARTINELLI, 1991, p.91).
O debate sobre a institucionalidade do Serviço Social percorre a história da profissão em razão da própria natureza desta: o Serviço Social se constitui como profissão no momento histórico em que os setores dominantes da sociedade (Estado e empresariado) começam a intervir, de forma contínua e sistemática, nas consequências da “questão social”, através, sobretudo, das chamadas políticas sociais.

Dar à prática da assistência social o título de trabalho social mostrava-se útil a burguesia, pois a ajudava a ratificar a ideia, na classe trabalhadora, de que era uma prática criada para atender ao trabalhador e a sua família e de que o agente profissional também era um trabalhador. (MARTINELLI, 1991, p.109)

No Brasil, a assistência social incorporou toda sua constituição no critério de inaptidão ao trabalho. E sobre esse assunto, nos remete todo o nosso desenvolvimento social e econômico, como será demonstrado adiante, no decorrer desse trabalho.  Assim sendo, esse difícil entendimento não foi uma característica somente no Brasil, de tratar a assistência de forma subalternizada. Esse procedimento foi implementado por toda Europa, a presença dessas relações nebulosas entre o poder público e as instituições privadas assistenciais como filantropia assistencialista.

Absorvendo a ideologia desenvolvimentista, o Serviço Social se impunha duas tarefas fundamentais: viabilizar a participação do povo no projeto desenvolvimentista do governo e neutralizar as tensões resultantes das contradições da política desenvolvimentista. (SILVA, 1995, p. 42).

Efetivamente, o Movimento de Reconceituação foi um marco para o Serviço Social latino-americano, principalmente por possibilitar aos assistentes sociais o reconhecimento da dimensão política de sua prática profissional, e o comprometimento – ainda que de alguns grupos de assistentes sociais – com os interesses dos setores populares. O Serviço Social é uma profissão que atua na “ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras.” (BRASIL, 2011, p. 24).
A partir da segunda metade dos anos 1980, com o advento da Nova República (1986-1990), a conjuntura econômico-político-social do país foi marcada pelos sinais de falência do Estado intervencionista e, a consequente instauração das bases de minimização do Estado, assumido como novo padrão nos anos de 1990.
Consequentemente essa dinâmica alcançou o Estado brasileiro, que implantou essas exigências impostas pelo processo de acumulação para atender ao grande capital, promovendo algumas mudanças na esfera da política social com o objetivo de adaptar o país ao seu projeto político.

Algumas mudanças no âmbito das políticas sociais procurando funcionalizar essas demandas de acordo com o seu projeto político, por meio da expansão seletiva de alguns serviços sociais. Essa ampliação da cobertura dos programas sociais, em que se incluem as políticas de seguridade social, respondeu preponderantemente pela estratégia de modernização autoritária adotada pelos governos militares. (MOTA, 2008, p. 12).

Desta forma, o Serviço Social têm sua base nas obras e instituições que surgiram com o primeiro pós-guerra em um contexto de grandes movimentos operários na luta por melhores condições de vida. Em São Paulo, surge das instituições assistenciais católicas, no Rio de Janeiro, com forte participação do Estado, pela necessidade de um estado regulador das relações sociais, e em razão do antagonismo gerados entre capital e trabalho. A profissão vinculava-se ao aparelho estatal como válvulas de escape, para o sistema que era inoperante.
 O Serviço Social é requisitado pelas complexas estruturas do Estado e das empresas, de modo a promover o controle e a reprodução (material e ideológica) das classes subalternas, em um momento histórico em que os conflitos entre as classes sociais se intensificam, gerando diversos “problemas sociais” que tendem pôr a ordem capitalista em xeque (NETTO, 2005, p. 10).

O Movimento de Reconceituação do Serviço Social, com toda a diversidade que lhe foi próprio, criticou duramente essa divisão, e proporcionou um aprofundamento teórico-metodológico que possibilitou à profissão romper com esse caráter meramente executivo e conquistar novas funções e atribuições no mercado de trabalho, sobretudo do ponto de vista do planejamento e administração das políticas sociais.

Foi levantada a necessidade de que a profissão se debruçasse sobre a produção de um conhecimento crítico da realidade social, para que o próprio Serviço Social pudesse construir os objetivos e (re)construir objetos de sua intervenção, bem como responder às demandas sociais colocadas pelo mercado de trabalho e pela realidade. (NETTO, 2004, p. 11).

O Serviço Social passava a incorporar nos seus quadros segmentos dos setores subalternizados da sociedade. Estabelece interlocução com as Ciências Sociais e se aproxima dos movimentos “de esquerda”, sobretudo do sindicalismo combativo e classista que se revigora. A partir da década de 70 a profissão, sob as ideias marxistas e através de documentos produzidos em vários encontros de Serviço Social em algumas cidades brasileiras, engaja-se no movimento de conceituação, provocando rupturas com o conservadorismo e assistencialismo, propondo alternativas de ações e não apenas executando.

O percurso do Serviço Social no Brasil, no período de 1964 a 1985, configura uma intensa movimentação dos assistentes sociais que repercute profundamente nas dimensões constitutivas da profissão, representada pela dimensão político-organizativa, pela dimensão acadêmica e, talvez com menor intensidade, pela dimensão da intervenção profissional, no nível dos organismos da política social, das empresas privadas e dos movimentos sociais. (SILVA, M. 2006, p.42)

Diante da necessidade de construção de novas alternativas profissionais, tendo como orientação as exigências  de mudanças estruturais da sociedade brasileira, a formação profissional representa um constante desafio para as Unidades de Ensino Superior. Especificamente, em relação ao Serviço Social,  cabe ressaltar o papel da ABEPSS neste processo, conforme já destacado anteriormente, que desde 1978, dirigiu o processo de redefinição da formação profissional do assistente social, pós-Movimento de Reconceituação, articulando-o às questões conjunturais.
Contudo, na década de 1980, os debates tomaram conta da sociedade brasileira no contexto de transição democrática onde a mobilização de diversos setores da sociedade levou à conquista do reconhecimento da assistência social como direito do cidadão, um dever do Estado na Constituição Federal de 1988, que apontou as possibilidades de construção de uma esfera pública e democrática para a assistência social. No art. 203 da Constituição Federal, ao referir-se especialmente a este novo direito social, estão subscritos que,

A assistência social será prestada a quem dela necessitar independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III- promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora e deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família conforme dispuser a lei. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988).

Nas décadas seguintes a sociedade brasileira engaja-se nas lutas pela redemocratização do país, avanços importantes acontecem no âmbito dos direitos sociais, valendo ressaltar a promulgação da Constituição de 1988, pautada em princípios democráticos, valorizando a cidadania.
No âmbito do Serviço Social é construído o projeto ético-político, pautado no reconhecimento da liberdade como valor central, representado pelo Código de Ética Profissional (1993) e a Lei de Regulamentação da Profissão.
Ao mesmo tempo, o Brasil passava por uma série de transformações na economia e no seu modo de produção. Com uma industrialização crescente, mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988, em que a sociedade brasileira vivenciou um período de grandes conquistas – que veio proporcionar a garantia de direitos sociais básicos para a população de forma universal –, o capitalismo avançava para todos os níveis da sociedade, que além do mercado e da economia, passou a regular também a conduta do Estado.

Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão de mundo, ou tentar impô-lo a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão de mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo em que se constitui. A ação educativa e política não podem prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto. (FREIRE, 1987, p. 87)

Apesar da inserção do Serviço Social no campo sócio jurídico não ser recente, em algumas instituições que compõem esse sistema a inserção é bastante atual, a exemplo do Ministério Público que só ocorreu quase 50 anos após a inserção nos Tribunais de Justiça.
A profissão adentra nesta instituição em meados dos anos 1990, com o objetivo de zelar pela efetiva proteção dos direitos sociais e ainda viabilizá-los de maneira que sejam alcançados por todos, a fim de abarcar tanto os princípios constitucionais e institucionais.

Diante dos desafios apontados, é necessário desenvolver ações relativas ao planejamento estratégico ante a nova gestão de serviços, ter um enfoque multidisciplinar na intervenção, continuar mantendo o dialogo com as ciências sociais e formar um eixo central de democracia, espaço em que se encontra na instituição dos conselhos de direitos, espaço privilegiado de reivindicações. (FERREIRA, C.M., 2009, P.176)

A necessidade de se realizar e redefinir a direção social do projeto de formação profissional do Serviço Social, pautado nos novos desafios e dilemas da contemporaneidade, oriundos do conjunto das crises e inovações da atualidade, torna-se imperante no seio da profissão.
Ainda assim, o que podemos observar é que a nova Constituição Federal de 1988, considerada o nosso maior avanço, indicava a construção de um sistema de proteção social nunca visto antes no país, através das garantias constitucionais, ao mesmo tempo em que o mundo contestava o Estado de Bem-Estar Social, substituindo-o pela justificação imposta pelo projeto neoliberal.
Sem dúvida, é possível considerar a importância da Constituição Federal de 1988, porque esta foi formulada para a viabilização da cidadania como um marco fundamental na história do país, tendo como propósito o bem-estar do homem através da realização de todas as necessidades básicas para uma vida digna, definindo-se como um estatuto básico de uma ordem social. 

CONCLUSÃO

Conclui-se este memorial pensando na atual conjuntura em que vivemos, profundas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais têm refletido diretamente nos processos de formação profissional de todas as áreas, reafirmando a necessidade de superação de práticas, conceitos, teorias, culminando, assim, numa revisão crítica não somente de currículo, mas de projeto profissional, que efetivamente expressa as novas tendências e condições emergentes na dinâmica social.
O Serviço Social percorreu um longo caminho para se concretizar como política pública no Brasil. Nessa jornada de desafios foram encontrados diversos elementos, já explicitados ao longo desse trabalho, que atrasaram o pleno exercício dos direitos sociais promulgados na Constituição de 1988.
A partir de então a Assistência Social alcançou o patamar de direito, com a universalização do acesso às políticas sociais e com responsabilidade do Estado. Contudo, o país entra em um processo de aprofundamento das políticas neoliberais e consequentemente as políticas sociais dentro dessa lógica ficam submetidas à economia e, para tentar compensar esta nova forma de intervenção do Estado neoliberal.
O Assistente Social ocupa um lugar privilegiado no mercado de trabalho: na medida em que ele atua diretamente no cotidiano das classes e grupos sociais menos favorecidos, ele tem a real possibilidade de produzir um conhecimento sobre essa mesma realidade. Por ser uma profissão inserida na divisão social do trabalho, o assistente social se vê dentro deste contexto com o dilema de intervir de forma eficaz nas diversas expressões da questão social sem ir contra as instituições a qual trabalha.
Diante do que foi exposto, não se pode deixar de reiterar que em tempos de transformações que vêm alterando a economia, a política e a cultura na sociedade brasileira, onde verificamos o agravamento da questão social expressa nos altos índices de pobreza, miséria, desigualdade e desemprego suas mais nítidas expressões da realidade, ao lado da retração do Estado em suas responsabilidades sociais, deveram aprofundar a reflexão sobre o projeto ético-politico que a profissão defende.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Ética do/a Assistente Social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. 9. ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2011. Disponível em http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP2011_CFESS.pdf. Acesso em 18 de abr. 2014.
BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL, Lei Orgânica da Assistência Social. Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993
FERREIRA, Claudia Maria. Fundamentos Históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1991.
MOTA, Ana Elizabete. Cultura da Crise e Seguridade Social: um estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social, São Paulo, Cortez, 2008.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social.4. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
________________. Ditadura e serviço social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 7. ed. São Paulo, Cortez, 2004.

SILVA, Cláudia Neves da. Igreja Católica, assistência social e caridade: aproximações e divergências. Sociologias. Porto Alegre. N.15. jun.2006

2 comentários:

  1. Ális, gostei do trabalho com o título "Memorial...", Parabéns! Mas gostei mais ainda foi de saber que tu estás em teu terceiro curso, muito bom! Também tenho Licenciatura em Letras pela UFMT e pretendo estudar mais.

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    1. Therezinha, agradeço a postagem. Somos alunos e profissionais eternamente em formação, visto as constantes transformações deste mundo globalizado. Continue postando, suas opiniões enriquece o blog. Um abraço.

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