INTRODUÇÃO
Este memorial pretende contribuir para o debate em torno da
Assistência Social no âmbito dos avanços e retrocessos, na política nacional de
assistência social e a importância dessas reflexões para o Serviço Social, que
objetiva desvelar a presença e o enfrentamento da questão social por parte do
Estado, visando reconhecer as particularidades das múltiplas expressões da
mesma na história da sociedade brasileira.
Desde o período em que o Serviço Social ainda fundava sua
base de legitimidade na esfera religiosa, passando pela sua profissionalização
e os momentos históricos que a constituíram, a dimensão técnica-instrumental
sempre teve um lugar de destaque, seja do ponto de vista do afirmar
deliberadamente a necessidade de consolidação de um instrumental
técnico-operativo “específico” do Serviço Social, seja no sentido de afirmar o
Serviço Social como um conjunto de técnicas e instrumentais – em outras
palavras, uma tecnologia social.
Sabe-se também que o Serviço Social, principalmente na Europa
e nos Estados Unidos, esteve ligado ao âmbito da Revolução Industrial, bem como
com o surgimento e ascensão do capitalismo industrial, nos séculos XVIII e XIX.
Diante das facetas sociais impostas por este sistema aos trabalhadores, surgem
as práticas assistenciais que serviram como mecanismos de consolidação da
hegemonia capitalista.
Deve-se portanto, pensar o Serviço Social na
contemporaneidade, diante das novas exigências profissionais, decorrentes das
profundas alterações no mundo do trabalho, das repercussões da reforma do Estado e, consequentemente, das
novas configurações assumidas pela sociedade civil, implica analisar os avanços
e os novos desafios da profissão, que culminaram na reformulação do processo de
formação profissional. Tal exercício teórico exige, necessariamente, uma
revisão crítica da trajetória do debate acumulado da profissão, analisando as
conquistas e os dilemas do Serviço Social na consolidação de seu projeto
profissional.
Assim, numa perspectiva histórica, dialética e crítica, este
trabalho se propõe a refletir sobre a origem da profissão, os avanços, as
demandas atuais e contribuições para o desenvolvimento da profissão.
DESENVOLVIMENTO
Os primeiros
relatos sobre o Serviço social foi ligado à Revolução Industrial
que iniciou na Inglaterra, no século XVIII, mudando as condições de trabalho,
trazendo à tona a questão social, expressa no empobrecimento do trabalhador.
Neste contexto da Revolução Industrial, o sistema capitalista surgiu como um
grande divisor da história das sociedades e das relações entre os homens
trazendo consigo uma revolução econômica e social sem precedentes.
No
período do capitalismo o trabalhador passou a vender sua força de trabalho, o
seu espaço de trabalho eram as fábricas e uma jornada exploratória e abusiva
era determinada pelos patrões, além da submissão destes trabalhadores a tarefas
mecanicistas e repetitivas, provocando danos físicos e emocionais,
insatisfações e estresses. “No início do século XX o Serviço Social amplia-se a
países da Europa e Estados Unidos, tendo a face do poder, da desigualdade e da
exploração capitalista, e não a face do trabalhador”. (MARTINELLI, 1991, p.91).
O debate sobre a institucionalidade do Serviço
Social percorre a história da profissão em razão da própria natureza desta: o
Serviço Social se constitui como profissão no momento histórico em que os
setores dominantes da sociedade (Estado e empresariado) começam a intervir, de
forma contínua e sistemática, nas consequências da “questão social”, através,
sobretudo, das chamadas políticas sociais.
Dar à prática da assistência social o título de
trabalho social mostrava-se útil a burguesia, pois a ajudava a ratificar a
ideia, na classe trabalhadora, de que era uma prática criada para atender ao
trabalhador e a sua família e de que o agente profissional também era um
trabalhador. (MARTINELLI, 1991, p.109)
No Brasil, a assistência social incorporou
toda sua constituição no critério de inaptidão ao trabalho. E sobre esse
assunto, nos remete todo o nosso desenvolvimento social e econômico, como será
demonstrado adiante, no decorrer desse trabalho. Assim sendo, esse difícil entendimento não
foi uma característica somente no Brasil, de tratar a assistência de forma
subalternizada. Esse procedimento foi implementado por toda Europa, a presença
dessas relações nebulosas entre o poder público e as instituições privadas
assistenciais como filantropia
assistencialista.
Absorvendo a ideologia desenvolvimentista, o
Serviço Social se impunha duas tarefas fundamentais: viabilizar a participação
do povo no projeto desenvolvimentista do governo e neutralizar as tensões
resultantes das contradições da política desenvolvimentista. (SILVA, 1995, p.
42).
Efetivamente,
o Movimento de Reconceituação foi um marco para o Serviço Social latino-americano,
principalmente por possibilitar aos assistentes sociais o reconhecimento da
dimensão política de sua prática profissional, e o comprometimento – ainda que
de alguns grupos de assistentes sociais – com os interesses dos setores
populares. O Serviço Social é uma profissão que atua na “ampliação e
consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com
vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes
trabalhadoras.” (BRASIL, 2011, p. 24).
A partir da segunda metade dos anos 1980, com o
advento da Nova República (1986-1990), a conjuntura econômico-político-social
do país foi marcada pelos sinais de falência do Estado intervencionista e, a
consequente instauração das bases de minimização do Estado, assumido como novo
padrão nos anos de 1990.
Consequentemente
essa dinâmica alcançou o Estado brasileiro, que implantou essas exigências
impostas pelo processo de acumulação para atender ao grande capital, promovendo
algumas mudanças na esfera da política social com o objetivo de adaptar o país
ao seu projeto político.
Algumas mudanças no âmbito das políticas sociais
procurando funcionalizar essas demandas de acordo com o seu projeto político,
por meio da expansão seletiva de alguns serviços sociais. Essa ampliação da
cobertura dos programas sociais, em que se incluem as políticas de seguridade
social, respondeu preponderantemente pela estratégia de modernização
autoritária adotada pelos governos militares. (MOTA, 2008, p. 12).
Desta
forma, o Serviço Social têm sua base nas obras e instituições que surgiram com
o primeiro pós-guerra em um contexto de grandes movimentos operários na luta
por melhores condições de vida. Em São Paulo, surge das instituições
assistenciais católicas, no Rio de Janeiro, com forte participação do Estado,
pela necessidade de um estado regulador das relações sociais, e em razão do
antagonismo gerados entre capital e trabalho. A profissão vinculava-se ao
aparelho estatal como válvulas de escape, para o sistema que era inoperante.
O
Movimento de Reconceituação do Serviço Social, com toda a diversidade que lhe
foi próprio, criticou duramente essa divisão, e proporcionou um aprofundamento
teórico-metodológico que possibilitou à profissão romper com esse caráter
meramente executivo e conquistar novas funções e atribuições no mercado de
trabalho, sobretudo do ponto de vista do planejamento e administração das
políticas sociais.
Foi levantada a necessidade de que a profissão se
debruçasse sobre a produção de um conhecimento crítico da realidade social,
para que o próprio Serviço Social pudesse construir os objetivos e
(re)construir objetos de sua intervenção, bem como responder às demandas
sociais colocadas pelo mercado de trabalho e pela realidade. (NETTO, 2004, p.
11).
O
Serviço Social passava a incorporar nos seus quadros segmentos dos setores
subalternizados da sociedade. Estabelece interlocução com as Ciências Sociais e
se aproxima dos movimentos “de esquerda”, sobretudo do sindicalismo combativo e
classista que se revigora. A partir da década de 70 a profissão, sob as ideias
marxistas e através de documentos produzidos em vários encontros de Serviço
Social em algumas cidades brasileiras, engaja-se no movimento de conceituação,
provocando rupturas com o conservadorismo e assistencialismo, propondo
alternativas de ações e não apenas executando.
O percurso do Serviço Social no Brasil, no período
de 1964 a 1985, configura uma intensa movimentação dos assistentes sociais que
repercute profundamente nas dimensões constitutivas da profissão, representada
pela dimensão político-organizativa, pela dimensão acadêmica e, talvez com
menor intensidade, pela dimensão da intervenção profissional, no nível dos
organismos da política social, das empresas privadas e dos movimentos sociais.
(SILVA, M. 2006, p.42)
Contudo,
na década de 1980, os debates tomaram conta da sociedade brasileira no contexto
de transição democrática onde a mobilização de diversos setores da sociedade
levou à conquista do reconhecimento da assistência social como direito do
cidadão, um dever do Estado na Constituição Federal de 1988, que apontou as
possibilidades de construção de uma esfera pública e democrática para a
assistência social. No art. 203 da Constituição Federal, ao referir-se
especialmente a este novo direito social, estão subscritos que,
A assistência social será prestada a quem dela
necessitar independente de contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice;
II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III- promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V- a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora e deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família
conforme dispuser a lei. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988).
Nas
décadas seguintes a sociedade brasileira engaja-se nas lutas pela
redemocratização do país, avanços importantes acontecem no âmbito dos direitos
sociais, valendo ressaltar a promulgação da Constituição de 1988, pautada em
princípios democráticos, valorizando a cidadania.
No
âmbito do Serviço Social é construído o projeto ético-político, pautado no
reconhecimento da liberdade como valor central, representado pelo Código de
Ética Profissional (1993) e a Lei de Regulamentação da Profissão.
Ao
mesmo tempo, o Brasil passava por uma série de transformações na economia e no
seu modo de produção. Com uma industrialização crescente, mesmo com o advento
da Constituição Federal de 1988, em que a sociedade brasileira vivenciou um
período de grandes conquistas – que veio proporcionar a garantia de direitos
sociais básicos para a população de forma universal –, o capitalismo avançava
para todos os níveis da sociedade, que além do mercado e da economia, passou a
regular também a conduta do Estado.
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão
de mundo, ou tentar impô-lo a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa.
Temos de estar convencidos de que a sua visão de mundo, que se manifesta nas
várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo em que se constitui.
A ação educativa e política não podem prescindir do conhecimento crítico dessa
situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto. (FREIRE,
1987, p. 87)
Apesar
da inserção do Serviço Social no campo sócio jurídico não ser recente, em
algumas instituições que compõem esse sistema a inserção é bastante atual, a
exemplo do Ministério Público que só ocorreu quase 50 anos após a inserção nos
Tribunais de Justiça.
A
profissão adentra nesta instituição em meados dos anos 1990, com o objetivo de
zelar pela efetiva proteção dos direitos sociais e ainda viabilizá-los de
maneira que sejam alcançados por todos, a fim de abarcar tanto os princípios constitucionais
e institucionais.
Diante dos desafios apontados, é necessário
desenvolver ações relativas ao planejamento estratégico ante a nova gestão de
serviços, ter um enfoque multidisciplinar na intervenção, continuar mantendo o
dialogo com as ciências sociais e formar um eixo central de democracia, espaço
em que se encontra na instituição dos conselhos de direitos, espaço
privilegiado de reivindicações. (FERREIRA, C.M., 2009, P.176)
A
necessidade de se realizar e redefinir a direção social do projeto de formação
profissional do Serviço Social, pautado nos novos desafios e dilemas da
contemporaneidade, oriundos do conjunto das crises e inovações da atualidade,
torna-se imperante no seio da profissão.
Ainda
assim, o que podemos observar é que a nova Constituição Federal de 1988,
considerada o nosso maior avanço, indicava a construção de um sistema de
proteção social nunca visto antes no país, através das garantias
constitucionais, ao mesmo tempo em que o mundo contestava o Estado de Bem-Estar
Social, substituindo-o pela justificação imposta pelo projeto neoliberal.
Sem
dúvida, é possível considerar a importância da Constituição Federal de 1988,
porque esta foi formulada para a viabilização da cidadania como um marco
fundamental na história do país, tendo como propósito o bem-estar do homem
através da realização de todas as necessidades básicas para uma vida digna,
definindo-se como um estatuto básico de uma ordem social.
CONCLUSÃO
Conclui-se este memorial pensando na atual conjuntura em que
vivemos, profundas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais têm
refletido diretamente nos processos de formação profissional de todas as áreas,
reafirmando a necessidade de superação de práticas, conceitos, teorias,
culminando, assim, numa revisão crítica não somente de currículo, mas de
projeto profissional, que efetivamente expressa as novas tendências e condições
emergentes na dinâmica social.
O Serviço Social percorreu um longo caminho para se
concretizar como política pública no Brasil. Nessa jornada de desafios foram
encontrados diversos elementos, já explicitados ao longo desse trabalho, que
atrasaram o pleno exercício dos direitos sociais promulgados na Constituição de
1988.
A partir de então a Assistência Social alcançou o patamar de
direito, com a universalização do acesso às políticas sociais e com
responsabilidade do Estado. Contudo, o país entra em um processo de
aprofundamento das políticas neoliberais e consequentemente as políticas
sociais dentro dessa lógica ficam submetidas à economia e, para tentar
compensar esta nova forma de intervenção do Estado neoliberal.
O Assistente Social ocupa um lugar privilegiado no mercado de
trabalho: na medida em que ele atua diretamente no cotidiano das classes e
grupos sociais menos favorecidos, ele tem a real possibilidade de produzir um
conhecimento sobre essa mesma realidade. Por ser uma profissão inserida na
divisão social do trabalho, o assistente social se vê dentro deste contexto com
o dilema de intervir de forma eficaz nas diversas expressões da questão social
sem ir contra as instituições a qual trabalha.
Diante do que foi exposto, não se pode deixar de reiterar que
em tempos de transformações que vêm alterando a economia, a política e a
cultura na sociedade brasileira, onde verificamos o agravamento da questão
social expressa nos altos índices de pobreza, miséria, desigualdade e
desemprego suas mais nítidas expressões da realidade, ao lado da retração do
Estado em suas responsabilidades sociais, deveram aprofundar a reflexão sobre o
projeto ético-politico que a profissão defende.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Ética do/a Assistente Social.
Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. 9. ed. rev. e atual. Brasília:
Conselho Federal de Serviço Social, 2011. Disponível em
http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP2011_CFESS.pdf. Acesso em 18 de abr. 2014.
BRASIL, Constituição (1988)
Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL, Lei Orgânica da Assistência Social. Lei
n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993
FERREIRA, Claudia Maria. Fundamentos Históricos, teóricos e
metodológicos do Serviço Social. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e
Terra, 1987.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação.
2 ed. São Paulo: Cortez, 1991.
MOTA, Ana Elizabete. Cultura da Crise e Seguridade Social:
um estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social, São
Paulo, Cortez, 2008.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social.4.
ed. São Paulo: Cortez, 2005.
________________. Ditadura e serviço social: uma análise do
Serviço Social no Brasil pós-64. 7. ed. São Paulo, Cortez, 2004.
SILVA, Cláudia Neves da. Igreja Católica, assistência social e
caridade: aproximações e divergências. Sociologias. Porto Alegre. N.15.
jun.2006
Ális, gostei do trabalho com o título "Memorial...", Parabéns! Mas gostei mais ainda foi de saber que tu estás em teu terceiro curso, muito bom! Também tenho Licenciatura em Letras pela UFMT e pretendo estudar mais.
ResponderExcluirTherezinha, agradeço a postagem. Somos alunos e profissionais eternamente em formação, visto as constantes transformações deste mundo globalizado. Continue postando, suas opiniões enriquece o blog. Um abraço.
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